sábado, 24 de março de 2012

Durma com este Barulho

Jornal O Liberal 10/03/2012
DURMA COM ESTE BARULHO
                Estou com muita raiva, minha indignação de sempre tem se transformado em raiva e isto me deixa cada dia mais angustiada. No dia 30/10/2009 escrevi neste mesmo jornal um artigo que em seu titulo perguntava: Você precisa de um oftalmologista? Agora não sei mais o que perguntar.
Ontem mais uma vez me encontro e converso com um garoto no sinal, o mesmo menino que em 2009 citei no artigo, o mesmo menino que tentei ajudar, através do Projeto Social o qual coordenava na época, mesmo sabendo que eu precisava de ajuda para que os cuidados oferecidos a ele fossem efetivos e provocasse alguma mudança. Dentro do Projeto oferecemos comida, banho, e tentamos reaproxima-lo da família, tentando reaver e fortalecer vínculos com quem restava de sua família, à medida que este menino já havia perdido o pai e a mãe, o encaminhamos para uma clinica para desintoxica-lo do maldito crack, enviamos ofícios a todos aqueles que acreditávamos que deveriam fazer parte da rede de proteção à criança e ao adolescente na busca de conseguirmos o envolvimento de um todo para protegê-lo.
            Hoje não coordeno mais o projeto social em que me reporto acima, e não me conformo de não ter conseguido salva-lo, mas sozinha era impossível, oferecemos aquilo que nos era permitido e mais um pouco que não era, e nosso trabalho se perdia sempre, à medida que a sociedade sempre o devolve para o mesmo lugar que o consome ano após ano.
Como não consigo ficar alheia as injustiças sociais que saltam aos olhos dos que conseguem ou querem enxergar, me utilizo mais uma vez da imprensa na tentativa de ser ouvida por alguém que possa de alguma forma salvar a vida deste menino e de tantos outros que dependem de cuidados específicos, estes meninos são tratados como exceção, há um discurso que somos um município exemplo, exemplo de que, se não conseguimos lidar com a exceção, exemplo de que, se não conseguimos dar conta da vida de um único menino.
Mais de 20 milhões investidos na área social em 2011, segundo números da secretaria da fazenda, e o menino que passou a vida toda entre os sinais de trânsito e as clinicas de recuperação, continua neste mesmo percurso, investimento nenhum vai salvar a vida deste menino se não houver disponibilidade e responsabilidade dos gestores na implantação de políticas públicas que consigam acolher e cuidar também das exceções da nossa cidade, afinal são vidas que merecem respeito como todas as outras.
Se você faz parte de algum Conselho, de alguma Secretaria, de algum Projeto, de algum Partido, de alguma ONG, de alguma Igreja, de alguma família, de alguma coisa, lembre-se que a omissão também é barulhenta e pesa, principalmente na hora de dormir.

Um comentário:

  1. "Minha presença de professor, que não pode passar despercebida dos alunos na classe e na escola, é uma presença em si política. Enquanto presença não posso ser uma omissão mas um sujeito de opções. Devo revelar aos alunos a minha capacidade de analisar, de comparar, de avaliar, de decidir, de optar, de romper. Minha capacidade de fazer justiça, de não falhar à verdade. Ético, por isso mesmo, tem que ser o meu testemunho." Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 33a. Edição. Editora Paz e Terra. (pág. 98)
    As redes sociais podem ser um espaço pedagógico no contexto desta reflexão de Paulo Freire: presença, não passar despercebido, sujeito de opções, fazer justiça, ético, ser testemunho?

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